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quinta-feira, 02 junho 2016 16:48
Expert Insight

Síndromes funcionais pós-infeção

Parcela de pacientes portadores de síndromes funcionais gastrointestinais (SFGI) relatam claramente que os seus sintomas digestivos se iniciaram após um quadro agudo de infeção gastrointestinal.

De facto, nos últimos anos, diversos estudos demonstraram, claramente, que após um episódio de gastroenterite aguda existe o risco do desenvolvimento de sintomatologia crónica que pode durar meses a anos e que se assemelha em inúmeros aspetos a algumas desordens funcionais gastrointestinais, sobretudo à dispepsia funcional (DF) e a síndrome do intestino irritável (SII).

A partir dessas observações, tem sido grande o interesse dos pesquisadores em conhecer o real papel das mudanças qualitativas e quantitativas da microbiota intestinal na etiopatogenia das síndromes funcionais. Algumas observações desses estudos suportam essa hipótese: a) a microbiota e a produção de gases no cólon, particularmente hidrogênio, decorrente da fermentação de resíduos não-digeríveis em pacientes com SII e diarreia funcional diferem dos achados em indivíduos sadios; b) os sintomas da síndrome do supercrescimento bacteriano do intestino delgado são semelhantes aos descritos em diversas SFGI, e podem, eventualmente, iniciar após um episódio de gastroenterite aguda; c) a manipulação terapêutica da microbiota intestinal com emprego de antibióticos e/ou probióticos, contribui, com frequência, para melhora dos sintomas digestivos. Já foi demonstrado que a suplementação com Lactobacilos, em pacientes portadores da SII associa-se com diminuição de sintomas relacionados à produção de gás. Isso se deve à inibição da colonização e menor aderência de microrganismos patogênicos aos enterócitos, aumento na secreção de defensinas e diminuição da síntese de citocinas pró-inflamatórias.

Vários trabalhos demonstraram que a microbiota intestinal está alterada em um subgrupo de pacientes com SII e que, nestes casos, existe concomitantemente uma inflamação da mucosa caracterizada por infiltração celular, com alteração no número de mastócitos e linfócitos T, anormalidades do RNAm da interleucina 1 (IL-1), redução da relação entre IL-10 e IL-12, aumento na circulação de IL-6, IL-8 e do fator alfa de necrose tumoral, justificando assim a denominação de SII pós-infeção (SII-PI).

Marshall e colaboradores evidenciaram que 44% de 2.069 indivíduos expostos a águas contaminadas com Escherichia coli e Campylobacter jejuni apresentaram episódio de gastroenterite aguda, dos quais 27,1% evoluíram com sintomas crônicos compatíveis com o diagnóstico da SII (predomínio da forma diarreica), configurando assim a SII-PI.

Outros pesquisadores demonstraram uma incidência da SII-PI em 16,7% dos pacientes. O risco relativo de desenvolvimento da SII-PI, seis meses após uma gastroenterite bacteriana foi de 11,1% (4,4-27,9).

As infeções causadas por alguns microrganismos como Campylobacter jejuni, yersinia, salmonella, shigella são consideradas as de maior risco para o desenvolvimento da SII-PI. Tem sido evidenciado que além das bactérias, alguns vírus (rotavirus, adenovirus, calicivirus) e parasitas (Giardia lamblia, Blastocystis hominis) podem também estar envolvidos no desencadeamento das síndromes funcionais.

Dados epidemiológicos publicados nos últimos anos sugerem que a SII-PI ocorre em 3 a 30% (média de 10%) dos doentes com gastroenterite e que existem alguns fatores considerados de risco para o seu aparecimento como sexo feminino, idade (indivíduos mais em jovens), toxicidade da bactéria, enterite mais prolongada, vómitos, presença de eventos estressantes durante o curso da infeção (por exemplo, ansiedade e depressão) e a gravidade do quadro geral, baseando-se na necessidade de buscar um serviço de urgência e hospitalização. Por outro lado, alguns pesquisadores demonstraram que a gravidade da infeção inicial é o principal fator preditivo para o desenvolvimento do quadro crônico compatível com a SII-PI.

Em 2015, Schwille-Kiuntke et al. publicaram uma revisão sistemática e meta análise em que incluíram seis estudos e demonstraram a presença da SII após diarreia do viajante em 5,4% dos doentes (2.35-6.49) comparado com 1,4% em grupos-controle (P < 0.00001). A conclusão desses autores é que o risco relativo do desenvolvimento da SII após um episódio de diarreia do viajante (que pode ser causada por bactérias, principalmente Escherichia coli, vírus e parasitas) é, em média, três a quatro vezes maior.

Terapêuticas potenciais futuras para a SFGIs pós-infeção incluem agentes com efeitos anti-inflamatórios e medicamentos capazes de corrigir uma possível anormalidade da microbiota colónica (disbiose) como novos probióticos, prebióticos, simbióticos e antibióticos potentes, porém que sejam pobremente absorvidos.

Novos estudos se fazem necessários para que sejam definidos os reais fatores etiológicos de risco, os mecanismos fisiopatológicos fundamentais, a história natural e o real prognóstico das síndromes funcionais que surgem após infeção gastrointestinal.

Referências

Beatty JK, Bhargava A, Buret AG. Post-infectious irritable bowel syndrome: Mechanistic insights into chronic disturbances following enteric infection. World J Gastroenterol. 2014; 20: 3976-85.

Marshall JK, Thabane M, Garg AX, et al. Incidence and epidemiology of irritable bowel syndrome after a large waterborne outbreak of bacterial dysentery. Gastroenterology 2006;131:445–450.

Parry SD, Stansfield R, Jelley D, et al. Does bacterial gastroenteritis predispose people to functional gastrointestinal disorders? A prospective, community-based, case-control study. Am J Gastroenterol 2003;98:1970-5.

Schwille-Kiuntke J, Mazurak N, Enck P. Systematic review with meta-analysis: post-infectious irritable bowel syndrome after travellers' diarrhoea. Aliment Pharmacol Ther. 2015 ;41:1029-37.

Spiller R. Irritable bowel syndrome: new insights into symptom mechanisms and advances in treatment. 2016;5. pii: F1000.

Zanini B, Ricci C, Bandera F, et al. Incidence of post-infectious irritable bowel syndrome and functional intestinal disorders following a water-borne viral gastroenteritis outbreak. Am J Gastroenterol. 2012; 107:891-9.

 

Prof.ª Doutora Maria do Carmo Friche Passos, presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia

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